As investigações da Operação Satiagraha, da Polícia Federal (PF), demonstram que as investidas do grupo Opportunity, do economista Daniel Dantas, na região Amazônica receberam ajuda de peso no governo federal. O relatório de inteligência nº 8/2008, produzido em maio pelo delegado Protógenes Queiroz, faz referências ao ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, como figura fundamental nos projetos de mineração e agronegócio – nova aposta de investimentos do grupo –, principalmente no Pará.
Dantas é apontado pela PF como mentor de um esquema bilionário de corrupção e movimentações financeiras irregulares, com participação, entre outros, do megainvestidor Naji Nahas e apoio político do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. Nos últimos três anos, o grupo Opportunity, que é formado por cerca de 150 empresas, aplicou recursos na Amazônia que resultaram, só no Pará, em 600 mil hectares de terras adquiridas e cerca de meio milhão de cabeças de gado.
O ministro Mangabeira que prestou consultoria jurídica entre 2002 e 2005 para a Brasil Telecom nos Estados Unidos, durante a gestão Dantas, é o responsável pelo Programa Amazônia Sustentável (PAS). O programa, entre outras metas, prevê estratégias que aliem a política de contenção do desmatamento ao desenvolvimento regional. É de se imaginar que a realização da tarefa seja algo complicado para Mangabeira quando se contrapõem os interesses de seu ex-chefe e o fator da proteção ao meio ambiente – tema de repercussão internacional e política prioritária de outro ministério, o do Meio Ambiente.
Antes de assumir a função no governo, em 2007, Mangabeira consultou a Comissão de Ética Pública da Presidência para saber se poderia compatibilizar suas funções junto ao grupo de Dantas com a de ministro. Ou seja, mais um elemento para Protógenes reforçar a tese de mútuo benefício entre o economista e Mangabeira, agora na esfera federal. Mas o colegiado disse não.
É aí que a questão fica mais espinhosa para Mangabeira. No início de maio, em uma reunião entre ele, o presidente Lula e a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ficou definido que Mangabeira seria o responsável pela execução do PAS. Marina não teria gostado da idéia e, sentindo-se desprestigiada, pediu demissão dias depois – provavelmente contrariada não só com a transferência de atribuições, mas também com a suposta atuação de Mangabeira em prol dos interesses de expansão comercial na Amazônia.
“Foi o estopim. Quando o governo passou a autorização de uma tarefa que era dela [Marina] para o Mangabeira, ela se sentiu inferiorizada”, afirmou o senador Expedito Júnior (PR-RO). Ele acrescenta que a ministra programava uma política de “ferro e fogo” no combate ao desmatamento na Amazônia, em detrimento da geração de empregos e da atividade de fazendeiros e madeireiros, inclusive com retardamento na emissão de licenças ambientais para projetos de desenvolvimento.
Defensor do agronegócio, amigo e aliado político do governador rondoniense Ivo Cassol – com quem a ex-ministra Marina tinha fortes divergências acerca da questão ecológica –, Expedito acha preocupante a relação do ministro Mangabeira, à frente do PAS, com um empresário cujo novo nicho de investimento pode significar ainda mais problemas ambientais para a região.
Em trecho de seu relatório final de 7 mil páginas, com cerca de uma tonelada de material investigativo, o delegado Protógenes Queiroz aponta que, “ao que tudo indica, Mangabeira estrategicamente favorecia a política de expansão do Norte do país buscada por Dantas”. Segundo ele, Mangabeira funcionava com uma fonte privilegiada de “informações estratégicas” no governo federal, auxiliando o grupo Opportunity nos setores do agronegócio e da mineração.
Terra de alguém
Na última sexta-feira (25), cerca de mil integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) invadiram a Fazenda Maria Bonita, uma das propriedades de Dantas no Pará no município de Xinguara. A região é palco de graves problemas fundiários. A fazenda fica a cerca de 25 quilômetros de Eldorado dos Carajás, onde, há 12 anos, um conflito com a Polícia Militar levou à morte 19 trabalhadores sem-terra.
O MST diz que a fazenda invadida está localizada em terras públicas e foi ilegalmente obtida, em 2005, pela Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A, que tem como diretora a irmã de Daniel Dantas, Verônica Dantas. O movimento explica ainda que o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) confirma que a terra pertence à União – logo, sua comercialização é proibida. E sinaliza que pode vir a ocupar outras terras do economista: as fazendas Cedro e Espírito Santo, ambas no Pará, que também seriam públicas e irregularmente adquiridas.
Alegando a lentidão, por parte do governo federal, no processo de criação de assentamentos e da própria Reforma Agrária, o MST sinaliza que novas propriedades de Dantas podem ser invadidas. “Lugar de ladrão é na cadeia e as terras públicas são para a Reforma Agrária”, enfatizou Ulisses Manacas, membro da diretoria do MST no Pará.
Merval Pereira - Segurança pública no foco
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